sexta-feira, 5 de maio de 2017



O ADEUS DE FERNANDA





Meu nome é Fernanda e eu contarei para vocês como foi o dia em que eu resolvi tirar a minha vida.

Em principio não era uma decisão que eu queria tomar. Porém, eu vivi sob a sombra de uma lamentável realidade. Desde muito pequena eu fui abusada pelo meu próprio pai. Procurei ajuda no colo de quem eu pensava que me acolheria e protegeria – a pessoa mais indicada, inclusive.

No entanto, ela preferiu ficar do lado daquele que roubou minha infância e que fez com que, muitas vezes, eu me sentisse culpada por todos os anos de abuso que eu sofri.

Minha própria mãe não acreditou em mim. Eu pensava “como minha própria mãe pode não acreditar no que eu digo?” Ela não acreditava e eu não vi alternativa, a não ser sair de casa. Levei comigo uma mala cheia de magoas e sentimentos ruins. Mas eu precisava sumir daquele lugar.

Fui acolhida por minha avó, que deu a proteção que me foi negligenciada, desde que eu era muito pequena, pelo meu seio familiar imediato.

Às noites eu acordava e sentia aquelas mãos nojentas tocando meu corpo. Eu era só uma criança. Eu sentia medo, culpa, solidão e tristeza.

Aliás, a tristeza passou a ser minha principal companheira daquele momento em diante.

Nessa época eu percebi que estava com depressão.

Procurei uma razão plausível para a tristeza e meus amigos diziam que eu tinha um motivo razoável para me sentir triste. Mas não era só isso.

Às vezes a tristeza vinha do nada, sem nenhuma lembrança ou alguma correspondência com o que eu havia passado naqueles anos de terror. Eu apenas me sentia triste e procurava meus amigos para conversar e tentar entender se aquele sentimento era comum, ou se eu estava realmente precisando de ajuda.

Esse é o ponto mais difícil da depressão. As pessoas não gostam de falar sobre isso. É difícil, distante e vergonhoso.

Nessa hora a gente percebe que, quando Nietsche disse: “quando a gente olha demais para o abismo, o abismo olha de volta pra gente”.

Então, comecei a pensar em suicídio. Incessantemente. Todos os dias. Era o único pensamento que me trazia um pouco de tranquilidade. Por um fim à minha vida era só o que eu queria fazer e a mera cogitação já me deixava em paz.

Mas eu pensei que não era o melhor a fazer e, do meu jeito, fui resistindo. Calada, sem falar com ninguém, mantive-me em pé e segui a vida, como uma adolescente qualquer (ou quase).

Eu descobri a internet. Seus benefícios e malefícios. Tentei usa-la da melhor forma possível, para distração, um passatempo. Criei um fã clube e fiz novos amigos a partir daí.

Mas aquele sentimento voltava com os dias e, dessa vez era nítido demais. Não era só tristeza. Eu me lembrava dos anos de abuso a que fui submetida e a melancolia vinha agora acompanhada por um pânico violento que me paralisava, toda vez que eu pensava naquele homem, tirando de mim toda a vida que eu tinha pela frente.

Minha depressão estava voltando com força e eu resolvi procurar, mais uma vez, a ajuda de pessoas com as quais eu pensei que poderia contar. Minha melhor amiga deu as costas para mim da forma mais desprezível possível. Disse a ela “Amiga, socorro. Acho que minha depressão esta voltando”. A resposta dela foi: “Fernanda, para de fazer drama”.

No fim, toda minha dor e toda a ajuda que eu sempre pedi, resumiu-se apenas em “drama”.

“Eu não posso mais. Não consigo mais. Não vejo mais sentido.” Disse a mim mesma.

Naquele mesmo dia eu expus meus anos de terror, abuso e agressão. Expus minha tristeza e minha depressão e a dificuldade que era lidar com esses dois fatores (abuso e doença). Disse aos meus “amigos” que não aguentava mais lidar com aquele sentimento e que a solidão tinha tomado conta de mim. Encerrei com um singelo “adeus”.

Foi minha ultima palavra. Minha ultima postagem. Parti no mesmo dia. Deixei esse mundo de indiferença e desprezo, que comigo foi tão indiferente e me tratou com tanto desprezo.

Porém, naquele mesmo dia, onde eu estava – não sei explicar como - conseguia ver a reação dos meus amigos: alguns não acreditavam. Outros clamavam por eu dizer que era mentira. Outros diziam que eu precisava de Deus.

Deus? Pobres coitados.

Deus não tem nada a ver com depressão. Onde eu estou agora, do meu lado, está a alma de uma freira que, igualmente, não aguentou suportar as dores que a doença lhe impunha.

Deus não tem nada com isso.

Andando por aqui eu vejo que muitas pessoas, de diversas crenças, e condições sociais sucumbiram à depressão. Muitas delas partiram como eu. Sozinhas e acusadas de “drama”.

Não era possível viver desse jeito. Eu parti, pois qualquer solidão não é pior do que aquela que vem após um pedido de ajuda ser negado. No meu caso a ajuda foi negada minha vida inteira. Não havia mais sentido e esperança para mim.

Sigo solitária, uma alma perdida e abandonada, porém, em outro plano.

Adeus, para sempre.





“Esse texto foi baseado na historia de uma menina que recentemente relatou no twitter os abusos que vinham sendo cometidos pelo pai ao longo de sua infância. “Fernanda” (como a chamei aqui), procurou ajuda da família e dos amigos. “Fernanda” sentiu-se sozinha, com medo, com frio e abandonada. Foi desprezada por aqueles que tiveram a oportunidade de fazer alguma coisa por ela. Não espere que as “Fernandas” que você conhece cheguem a esse extremo. Ajude sua “Fernanda”. Ouça, apoie, acompanhe. Entenda que a depressão – muito embora algumas vezes tenha algum gatilho – não precisa de nenhum motivo para aparecer no meio do dia enquanto você se gabava por ter acordado bem e disposto. Mostre que por pior que a vida seja, ela pode ficar suportável com apoio e que nenhum mal é grande o suficiente que não pode ser suportado, após muito trabalho e carinho. Ajudem. Ouçam. Apoiem. Amanhã pode ser tarde demais para isso e o arrependimento é o pior sentimento que um ser humano pode sentir. A “Fernanda” do texto efetivamente cometeu suicídio. As postagens existem e lê-las foi uma das piores sensações que eu já experimentei na minha vida. Senti a tristeza de “Fernanda” e, de posse dessa dor, resolvi escrever esse texto. Que sua alma alcance o descanso que você sempre procurou por aqui “Fernanda”.


sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

QUEIME DEPOIS DE LER



QUEIME DEPOIS DE LER









Eu sei que esse texto poderia ser comparado a um pseudo enredo de Black Mirror, mas não tenho essa pretensão. Longe disso, eu diria.

Porém, às vezes eu gostaria de ter o poder de deixar um bilhete diário para todas as pessoas que convivem comigo. Sabe? Como se fixasse na geladeira um recado logo pela manhã, um lembrete, um aviso.

Se eu pudesse fazer isso, chamaria meu bilhete de “Queime depois de ler” e seria mais ou menos assim:

“Olá! Não se assuste. Como eu sei que provavelmente eu te magoarei hoje, preciso pontuas algumas coisas. Hoje não é um bom dia pra mim. Não quero sair da cama. Não quero me levantar, não quero encarar o dia.

Não quero ver o sol. Só me deixe aqui por hoje.

Hoje eu só quero aproveitar a solidão e encarar minhas fraquezas e medos. Só quero desfrutar essa dor que me domina. Nem posso dar atenção a ela, apesar de saber que não devo.

Nada mais, nada menos.

Só quero o silêncio e pouca luz.

Sabe, talvez você não tenha se dado conta mas as coisas, muitas vezes, são difíceis pra mim. Muito difíceis.

Foram dias e dias que eu fiquei sentado por horas na cama reunindo um pouco de força para levantar e enfrentar o dia. É um esforço quase insuportável.

Então hoje, tudo que eu quero é chorar, sozinho, trancado no meu quarto sem falar com ninguém. Celular desligado. Apenas eu e meus medos.

Outras vezes tudo o que eu quero é por fim a esse sofrimento, pegar meu carro e sair dirigindo sem destino. Apenas dirigir. E deixar o destino decidir onde devo chegar.

Quero apenas, na minha solidão, viajar até os anos noventa e ouvir Crash Test Dummies como fazia sempre antes de ir para a escola, pensando que aquele poderia ser o dia em que a menina mais bonita da sala olharia, finalmente, para mim.

As preocupações eram outras, “a grama era mais verde, a luz era mais brilhante”, como naquela música do Pink Floyd.

Mas sei que não posso. Não é possível, ainda que minimamente, entregar-me dessa forma ou imaginar que as coisas poderiam ser diferentes e que essa dor enfim fosse embora.

Não tenho tempo para divagações dessa natureza.

Afinal, como diz um personagem do meu anime preferido e que, por coincidência, também é do signo de câncer: “viver é um ato de vingança”.

Eu concordo com ele. Ainda que incoerente com tudo o que disse até agora, viver, para mim, não passa de um ato de vingança. Vingança e resistência.

Pois cada vez que a dor tenta me derrubar eu levanto, resisto e vou adiante. Mesmo não querendo lutar, luto. Como num campo de batalha, onde as flechas vem de todos os lados e o guerreiro não recua. Apenas passa através dos arqueiros gritando de forma debochada “isso é o melhor que vocês podem fazer?”

Segue o jogo e assim deve ser.

Não se preocupe, eu ficarei bem. Eu sempre fico bem. Apenas te deixo esse recado pois as coisas não são fáceis para mim na maior parte dos dias e sei que, de uma forma ou de outra, isso pode te afetar em algum momento.

Mas eu insisto, resisto e tento me vingar.

Tudo está bem. Tudo ficará bem.

Não há razão para preocupação. Espero que seu dia seja ótimo, cheio de alegrias e realizações. Estarei sempre por aqui, resistindo, levantando e seguindo. Amanhã espero aparecer por aqui com um bilhete mais amável e positivo. Mas por hoje é o que posso oferecer.

Só lhe peço um pequeno favor ao se deparar com esse bilhete:

“Queime depois de ler”

Com carinho.

Leandro”

quinta-feira, 14 de abril de 2016


ELA NÃO VAI MAIS VOLTAR

 

 

 

 

Hoje seria nosso aniversário de casamento. Digo que seria, pois há cinco anos não tenho mais notícias dela. Partiu sem deixar qualquer indicio de que voltaria ou de que teria ido de vez. As coisas ainda estão no lugar, as roupas, os livros, os óculos que ela odiava usar.

Eu ainda conseguia sentir o cheiro do seu perfume como no dia em que nos conhecemos. Sentia falta dela.

Não consigo dormir direito desde aquele dia e nem os remédios tem ajudado. Acordo no meio da noite pensando no motivo que a fez ir embora de casa sem aviso, sem dar algum motivo.

Estaria disposto a aceitar qualquer justificativa, plausível ou não. Seria mais fácil e consequentemente eu teria um pouco de paz na minha vida. Mas não. Ela deixou comigo apenas a ausência e a lembrança. Um buraco que fica maior a cada dia, alimentando-se da incerteza e da esperança de voltar a vê-la.

Ainda me lembro do fatídico dia em que ela disse que faria uma viagem a contragosto. Mal nos falamos aquele dia. Ela estava apreensiva, parecia não querer sair de casa. Aparentava cansaço, insatisfação.

Aquele comportamento já durava algumas semanas e eu não entendia por qual razão. Eu sei muito bem que não fui o marido que ela sempre mereceu. Tive minhas falhas, mas eu merecia ao menos uma explicação ou, ainda, um “estou indo embora, pois não estou feliz com você”.

Durante o primeiro ano eu procurei me conformar das maneiras que encontrava, ainda sem aceitar que tudo tinha acabado de forma inexplicável. Tentei seguir de cabeça erguida, viver minha vida e entender que, se ela partiu é porque não me queria mais.

Mas ela era o amor da minha vida, a mulher que trouxe de volta a fé no amor, que eu havia perdido há muito tempo. Da mesma forma que nos conhecemos por acaso, tudo acabou sem muita explicação.

Apenas acabou. Ela se foi e eu tive que aprender a lidar com a falta daquilo que mais me fazia feliz. Sua presença me acalmava e, por pior que eu estivesse, seu sorriso me confortava.

Só que ela não estava mais ali e eu não sabia o motivo.

Eu precisava saber. Precisava ouvir da boca dela que eu fui um lixo a vida toda ou que ela simplesmente tinha se cansado de mim, ou, ainda, tivesse se apaixonado por outra pessoa. Eu saberia lidar com esse sentimento e teria seguido em frente há muito tempo.

Respostas que eu não tenho.

No segundo ano, em nome de todo o amor que eu jamais deixei de sentir por ela, abandonei tudo e passei a procura-la pelos lugares onde eu sei que ela era ou foi feliz. Caminhos que sempre fizeram com que seus olhos brilhassem ao menos por um momento.

Desde então essa tem sido a minha rotina, procura-la incessantemente para dizer mais uma vez “você foi e ainda é o grande amor da minha vida e caso não queira voltar, siga sua seu caminho sabendo apenas que ninguém nesse mundo te amará como eu amo.”

Eu estava decidido e para tanto abandonei a vida pacata que levava e me lancei no mundo atrás dela. Vendi minhas posses e caí no mundo. Nada mais importava, apenas poder ver, ainda que só mais uma vez, seu sorriso, poder ouvir sua voz e seus olhos fitando os meus. Só mais uma vez. Era só o que eu precisava. Uma única vez. Nada mais.

Visitei países, lugares, cidades. Conversei com pessoas, procurei autoridades. Em vão. Em um dado momento os recursos foram acabando e eu tive que me virar dormindo em albergues e muitas vezes até no relento. Eu não me importava com nada daquilo, desde que pudesse encontrá-la.

Ninguém sabia dela. Nenhuma noticia. Nada.

Em uma das vezes, dormindo em uma calçada qualquer não consegui conter as lagrimas. Fazia frio. Ameaçava chover e tudo o que eu tinha era uma velha e suja marquise para me abrigar e um trapo gigante que usava como cobertor. Era uma situação difícil e eu sabia que a tendência seria piorar, pois minha jornada parecia longe de acabar. Porém, eu não sabia onde ela estava, o que estaria fazendo, se estaria na mesma situação, com frio, fome, triste, sozinha.

  No terceiro para o quarto ano, ainda procurando, desisti de mim. Entreguei-me a um estado calamitoso. Não mais tomava banho, não fazia mais a barba. Tudo o que eu conseguia era pensar nela e em mais nada. Ficava dias sem comer e até esquecia de me alimentar, lembrando muitas vezes quando acordava depois de desmaiar de fome.

Cheguei a tal ponto que indagava as mesmas pessoas várias vezes, tomado pelo desespero e pela aflição de não ter noticias dela há tanto tempo. Certa vez uma pessoa fez o seguinte questionamento: “por qual razão você insiste tanto em uma mulher que te abandonou? Que não tem notícias? Não percebe que caso fosse de sua vontade ela estaria ao seu lado?”

Eu respondi: “Você sabe o que é encontrar aquele amor que traz a tranquilidade que nenhum outro conseguiu trazer? O amor simples, maduro e sem cobranças? Amor por si só, sem esperar nada em troca? Não sabe. Então jamais saberá a dimensão do meu sofrimento”.

Passados todos esses anos eu continuo a procurar, mas aquele fio de esperança parece cada vez menos firme. Mas ainda existe. No fundo eu sei que de alguma forma nós acabaremos por nos encontrar em algum lugar e eu então poderei dizer o quanto esses anos foram difíceis sem ela.

- Papai, a mamãe não vai mais voltar – interrompeu a voz doce de uma jovem que, com um olhar triste e ao mesmo tempo reconfortante, olhava-me de volta. Colocou a mão sobre meu ombro e prosseguiu:

- A mamãe faleceu em um acidente de avião, naquela viagem a trabalho, que ela vivia dizendo que não queria ir. Todos sofremos papai. Mas o senhor ao saber da notícia entrou em profundo desespero e pulou da sacada... quase perdemos o senhor também no mesmo dia.

E me mostrando todos os jornais da época, a lista de vitimas e a foto dela eu pude me convencer que toda minha busca havia sido em vão.

- Então – disse eu – você é... minha filha? Então... ela não vai mais voltar? Mas e todas essas lembranças? E todo esse tempo que eu procurei?

Nesse momento uma voz forte e grave cortou o silencio que minhas questões causaram dizendo:

- Eu explico – percebi nesse momento um senhor alto, de jaleco branco sentando-se ao lado de mim no que parecia um banco em um jardim que até então eu não tinha reparado – O senhor sofreu uma grave lesão cerebral ao cair da sacada. Com a queda sua cabeça acabou se chocando com a sacada debaixo, ocasionando perda de massa encefálica. Em consequência disso a parte do cérebro responsável pela memoria foi afetada irreversivelmente e, por essa razão o senhor não se lembra de nada sobre o acidente. Porém, a gravidade foi tamanha que algumas outras situações foram “apagadas”, como a existência de sua filha por exemplo. Nada do que o senhor relatou existiu de verdade. Os lugares, as pessoas, a dificuldade, a marquise, o cobertor, a chuva. Tudo isso não passa de uma invenção da sua mente. O senhor está aqui há cinco anos sendo cuidado por nossa equipe e como o senhor pode perceber estamos em um hospital psiquiátrico especializado em casos como esse onde podemos dar uma maior assistência e conforto aos pacientes. Por mais que não tenha consciência eu posso dizer que estamos cuidando muito bem do senhor.

Parei por um instante e olhei aquela jovem que estava do meu lado:

- Você é a cara da sua mãe. No fim das contas eu sabia que iria encontra-la, ainda que vivendo apenas em um olhar.

- Ela te amava demais papai, vivia dizendo isso para todos – disse a filha – Foi um marido maravilhoso e um pai exemplar enquanto teve condições.

De certa forma eu me senti reconfortado naquele momento. Porém, por pouco tempo, pois tudo o que eu havia vivido até então não passava de uma mentira, de algo inútil, uma busca sem resultados e nem poderia ter! Ela não vai mais voltar!

- Acalme-se papai, ainda há mais a dizer. O Dr. Precisa contar algo importante – disse minha filha tentando acalmar meu descontrole ao perceber que eu jamais veria o amor da minha vida.

- Sim, eu preciso contar algo difícil e preciso que o senhor esteja preparado – disse-me o médico – A lesão cerebral permite que o senhor tenha pequenos momentos de sanidade que duram em média uma semana, às vezes até menos. Isso quer dizer que daqui uma semana o senhor esquecerá toda essa conversa e voltará a pensar que está procurando por sua falecida esposa. Não se lembrará mais da sua filha, muito embora ela venha lhe fazer visitas constantes. O que posso garantir é que o senhor está muito bem cuidado aqui e eu pessoalmente tratarei para que assim continue.

- Então minha filha eu não lembrarei mais de você daqui a alguns dias? Perdão por todo esse sofrimento que eu venho causando mesmo depois da morte da sua mãe. – eu disse

- Papai eu estarei sempre ao seu lado! Por mais que o senhor não me reconheça eu estarei aqui, não sairei do seu lado! O senhor jamais estará sozinho! Terá a mim pelo resto da vida e enquanto eu tiver forças estarei aqui, segurando sua mão quando tivermos, mais uma vez, que te dar essa triste noticia. – disse minha filha, segurando minha cabeça contra seu peito.

Por mais que toda aquela situação tenha me destruído por dentro, por mais que as lagrimas da minha filha estivessem cortando meu coração, por mais que eu soubesse que não me lembraria do rosto dela e que daqui alguns dias seria mais um maluco internado naquele lugar, falando coisas desconexas e sem o menor cabimento, no fundo eu estava feliz.

Sim, feliz!

Pois eu sabia que daqui a uma semana, mais uma vez, ela estaria viva na minha cabeça e a esperança por encontrar o grande amor da minha vida estaria de volta no meu coração. Na minha mente devastada estaria a ideia de que eu me lancei ao mundo para encontrar meu único amor.

Esse sentimento venceu a morte, a loucura, a tristeza, a dor. E mesmo que fosse uma mentira, ao menos na minha cabeça ela continuaria viva e nosso amor jamais se apagaria.

domingo, 10 de abril de 2016


AMOR E PERFEIÇÃO

 

 

As semanas que antecederam a escrita desse texto não foram fáceis e há uma forte probabilidade de a que entra também não ser.

Em função disso venho mergulhando em pensamentos e discussões subconscientes que me obrigam a refletir sobre vários setores da minha vida.

Já disse isso em situações anteriores e repito nesse momento: sou uma pessoa extremamente musical e acredito cegamente que, quando Nietzsche disse: “a vida sem música seria um erro” ele estava coberto da mais irrefutável razão.

Eu disse isso basicamente para ilustrar como vem sendo meus momentos de “bad” e reflexão. Peter Gabriel disse em sua Musica “In Your eyes” que: “quando eu quero fugir eu pego meu carro e saio dirigindo”. Obviamente eu parafraseei, mas apenas para que vocês consigam visualizar essa situação.

Tenho dirigido muito. Sem rumo. Apenas para ouvir musica e pensar um pouco na vida. Um dia desses, eu estava em alguma altura da Avenida dos Bandeirantes quando de repente Renato Russo grita nos autofalantes do carro:

“Tentando pintar essas flores como o nome de amor-perfeito e não-te-esqueças-de-mim”

Definitivamente eu não sou a pessoa mais adequada para dissertar sobre o amor. Definitivamente.

Durante muito tempo eu neguei veementemente a existência desse sentimento chamado “amor”. Tive meus motivos, os quais obviamente não vem ao caso.

Mas, se eu já repelia a existência do amor, o que se diria sobre o “amor perfeito”? Não é possível atribuir perfeição a algo inexistente, concordam?

Porém, na volta daquela viagem psicodélica pelas avenidas de São Paulo eu refleti muito sobre esse assunto.

Em primeiro lugar não posso, evidentemente, negar a existência do amor, pois eu cheguei à conclusão que ele de fato existe. Mas o amor perfeito ainda me deixava um pouco receoso.

Pensei em diversas situações que podem despertar um sentimento inexplicavelmente bom em quem as experimentam, apesar de bobas e de certa forma pueris, mas que não podem significar outra coisa que não seja isso que todos chamam de amor.

Exemplifico: Aquela ansiedade por pegar o celular de cinco em cinco minutos para saber se chegou aquela mensagem; o coração acelerado ao, após enviar aquela mensagem “cheguei” vir a resposta “estou descendo” ou “já estou te esperando”.

Pegar o celular de madrugada e ficar revendo as fotos do “sorriso” e do “olhar” e sorrir de volta como se a pessoa estivesse cara a cara conosco. Perceber características que a pessoa achava que não tinha, descobri-las e se apaixonar mais ainda após conhecer esse lado que até então estava escondido. Sentir aquele arrepio toda vez que ouve a voz da pessoa.

Não consigo encontrar outra palavra para definir tudo isso que não seja amor. Mas ainda não posso chamar isso de “amor perfeito”.

Amor e perfeição são coisas - em um primeiro momento - diferentes, mas que podem vir a se completar. Ou se repelir.

Muitos confundem “amor eterno” com “amor perfeito”. Um engano muito comum, se pararmos para pensar.

Pois o amor não demanda um longo período de existência. Podemos amar intensamente em um curto espaço de tempo e nem por isso esse amor deixa a desejar em relação a essa “eternidade” de sentimento. Pode ser mais intenso e mais avassalador? Sim, pode. Mas nem por isso é perfeito.

“Amor perfeito” não é aquele onde “não se espera nada em troca”. Podemos amar sem esperar retribuição ou esperar algo de volta. Não se pode limitar ou restringir as maneiras de amar. Amor é amor e só. Não existe uma fórmula para o amor. Ele apenas acontece! Mas podemos fazer com que esses momentos sejam perfeitos e essa é a diferença dos amores que constroem e daqueles que levam um pedaço de nós quando vão embora.

A perfeição, por sua vez, está ligada a todo esse sentimento na medida em que, perfeito é ter a capacidade de amar. Não um tipo de amor específico, mas ter o poder de avistar a pessoa vir em sua direção e quase ter uma parada cardiorrespiratória, sentir as mãos suando e o estomago revirando.

Poder sentir isso é o que nos torna perfeitos meus amigos. A capacidade de amar faz com que sejamos perfeitos. Perfeição é dedicar todas suas forças àquele amor, àquela pessoa e conseguir sentir um prazer inenarrável. Sentir-se bem com o sorriso do outro.

Perfeição é, mesmo em meio ao silencio, lembrar daquela pessoa, onde quer que esteja, o que quer que esteja fazendo, mesmo que ausente há tempos. É demonstrar que mesmo longe, estará sempre “ali” na distancia de uma mensagem de texto. Lembrar dos momentos bons e sorrir por ter a capacidade de amar.

Perfeição é deixar que o amor nos faça sorrir mesmo quando o coração está em pedaços, apenas para que a pessoa continue sorrindo.

Eu arriscaria dizer, finalmente, que se for possível existir um “amor perfeito”, podemos defini-lo como aquele que consegue fazer com que nos sintamos pessoas melhores em função desse sentimento. Que muda nossa vida para sempre e que devolve a juventude que o tempo leva embora diariamente, independente de algum sentimento em troca.

A grande dadiva do universo está nisso: amar aquele amor que traz a perfeição que muda nossa forma de enxergar o mundo em volta e que carrega com ela as cores que ficaram perdidas pelo caminho.

Isso é amar. Isso é ser perfeito.